segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Relato do piloto Geraldo Nobre: Petrópolis até Aldeia Velha



Piloto: Geraldo Nobre (piloto de asa, Rio de Janeiro)

Este foi um dos 5 relatos que o piloto Geraldo Nobre (dinossauro do voo com mais de 30 anos de esporte) enviou para concorrer à promoção do Spot com anuidade

Geraldo Nobre: De Petrópolis até Aldeia Velha!


Que vôo !!!

Que Dia diferente !!!

Primeiro, ainda na rampa, observavamos algumas formações no Tinguá e na Serra do Vulcão a uns 3.000m de altitude e a direção de sua derivada de SW.

Depois alguns cumulus sobre o Cindacta com alto desenvolvimento e formação de lenticulares em seu topo !

E na rampa, decolagem serena, suave, ventinho de frente e pouca indicação de turbulência e muito menos de que haveria desenvolvimento rápido de CB.

A previsão indicava a entrada da frente para o dia seguinte.

Todo mundo pronto e decolamos todos juntos, Enio, Sidney, Bique, Flavinho, Carlinhos, Marcinho, Eu, Lalado, Erick, Cedrick, Rafael, Nader, não sei se esqueci alguém.

Achamos de imediato aquela da direita da rampa, forte, consistente e direto prá cima.

Como num Race to the Goal um grupo partiu zunindo para o buraco da Siméria.

Não fui nessa procurei ganhar mais e partir direto para o Moren.

Foi minha decisão mais acertada do dia.

A pressão suave de SW estava em toda a encosta da Serra dos Orgãos.

Era um passeio de lift e térmicas descolando até a base da núvens, teto na casa dos 2.100m

Este bordo de Petrô até Terê é um dos lugares com visual mais incrível que temos: são paredões, cachoeiras, mata atlântica por baixo e espinhasos de pedra pela frente.

Marcinho partiu antes no mesmo rumo, nos encontramos depois do Moren.

Partimos para o Dedo de Deus que estava estampado na nossa frente.

Vamos fazer a vertical como se fosse um pilão (pensei).

Dito e feito e Teresópolis se descortinou a nossa frente com o destaque para a granja Comari e seu lago no meio da cidade.

Foram visuais incríveis e o Marcinho fotografou alguns que vão aí no anexo.

Erick e Carlinhos tinham visto nossa tirada e seguiram o mesmo rumo.

Depois de balizarmos também o Soberbo seguimos a continuação da cordilheira, agora bem mais baixa e demos uma pequena encalhada procurando aonde encontraríamos novo lift e ele nos alcaçaram.

Viramos um pelotão de 4.

Engano meu.

Como uma flecha Carlinhos chegou, ganhou e passou direto seguindo a cordilheira para o somberado.

O pelotão ficou de 3.

Freio de mão puxado, esperamos num dos picos a chegada da condição que vinha por trás.

Olhamos para a Serra dos Orgão e o teto baixou, escureceu e .....

Xiiiii..., acho que a condição vai ficar feia por lá ....

Acho que não vem mais ninguém nesta rota.

Decisão correta de novo, nasceu novo canhão que nos levou na base de novo.

E, olha lá o Carlinhos, ficou pequininho lá em baixo, foi seguindo para o fundo do vale de Japuíba pela Cordilheira.

Decidimos então evitar este rumo, partindo para cruzar o vale, fugir do sombreado, e chegar na Schincariol.

Fizemos um leque nesta cruzada, um mais perpendicular ao vale os outros mais inclinados e lá fomos nós.

Carlinhos lá no fundo fez o mesmo mas chegou no meio baixo e resolveu vir voltando pelo vale já em nível de procurar pouso.

Cruzamos olhando a condição na frente estabilizada e com poucas possibilidades de acharmos alguma térmica consistente.

No meio do vale estavamos a 900m e L/D para chegar na conta lá na fábrica da Schin, antes de Cachoeiras de Macacu.

Deixamos o Danoninho partir na frente e fomos olhando sua tirada.

Nada, nada, nada,.....

Escolheu o pouso e...

Rodou uma, rodou mais outra....

ACHOU !!!!!

Corremos lá e subimos os três.

Uns 15 a 20 minutos ficamos neste local que estava começando a pipocar.

Cada vez foi ficando mais consistente e tendo como visual que deixamos para trás a formação do CB.

Ganhando e a condição para trás fechando mais.

Mais negro, teto emendando, mas o vento ainda suave e a térmica lisa.

O teto fechou todo.

Em baixo do CB criaram-se varias linhas de onda de vento.

Incrivelmente bonito e tenebroso.

Alguns lugares lá atrás começaram a formar uma cortina d´água.

E estavamos num ponto crucial:

A térmica evoluia, estavamos já a uns 1.400m mas não dava para cruzar o maciço de Macacu.

Depois dele era o único lugar ainda azul.

Voltar para pousar e ver o CB estourar em nossas cabeças era uma das alternativas.

Nenhum de nós três pensou nisso.

Vamos ganhar mais e correr para pular o vale da estrada de Macacu.

Pegar na outra borda e pular para o outro lado, fugindo do CB.

Dito e feito.

Partiu o Danoninho na frente de novo mas ainda sem altura para dar o pulo do gato ou melhor do Dino.

Ganhamos mais e quase na base, com L/D para passar direto, partimos Marcinho e eu.

Danoninho achou de novo do outro lado !

Chegamos uns 500m em cima dele e pinba térmal até a núvem.

E que núvem, era o CB que chegou.

Negro, tenebroso, mas com lindos desenhos de onda de vento em vários tons de cinza por baixo.

Para trás uma cortina dágua e alguns raios começaram a dar sinais de vida lá no vale.

Voltar nem pensar!

Estávamos na borda da frente do CB que vinha, com 2.100m de altura e azul do outro lado.

O negócio era correr para fora do vale.

Uns pingos de chuva começaram a bater na asa e...

Caim, Caim, .....

Três ratos correram do local.

Doninho Erick correu acompanhando um contraforte da montanha em direção a Silva Jardim e pensou que nós tinhamos voltado.

Tadinho, achou que tinha ganho o dia !

Ainda tentou evoluir numa que achou no caminho.

Mas quando o primeiro raio espodiu no maciço que haviamos abandonado ele correu para o pouso.

Não viu que os Dinos tinham partido em outra direção e estavam acompanhando o maciço mirando lá na frente Casemiro de Abreu.

O teto no nosso novo rumo estava uns 500m mais baixo.

Estava escasso com uns poucos e pequenos pompons esfiapados na borda da nova cordilheira que tínhamos pela frente.

Fomos seguindo, paramos ainda nuns 2 ou 3 pequenos picos.

Ganhávamos um pouco até a base mas, nada consistente.

Limpou tudo para frente.

Nenhum sinal de novas ascendentes.

O negócio agora era esticar o L/D.

Puxa a marcha para a melhor posição.

Se estica todo no cinto, até ficar na ponta dos pés.

Escolhe o melhor caminho.

Olha um para o outro para comparar quem esta tirando melhor.

E lá fomos nós 2.

Passamos entre dois picos antes de Aldeia Velha.

Acho que não chegaremos em Casemiro de Abreu se não acharmos nada.

Opâ que vale lindo !

Varios pastos sem fios e com estradinha até o asfalto e sem altura para ir mais....

É aqui mesmo.

Chegamos juntos.

Um num pasto, outro no outro e pouso de quilha.

Acabou a aventura ?

Engano de vocês, aí é que começou a emoção.

O CB continuava vindo no seu caminho.

E estávamos na rota dele.

Era pasto, mas era charco em alguns pontos também.

Corre para desmontar.

Entra o vento.

Segura a asa.

Guarda o cinto.

Pisa na lama.

Liga para avisar o resgate.

Começa a pingar.

Explode um raio no vale atrás.

Corre......

Fecha tudo.

Respinga lama.

Carrega a asa.

Pisa no charco.

Iiii. Tem um riacho na borda da cerca.

Tem que atravesar com a asa nas costas.

Ufa !!!

Cheguei na sombra de uma jaqueira.

Marcinho pega carona com um cara de moto até o asfalto e acha um caminhão no meio do caminho que resolve nos recolher.

Jogamos as asas em cima e os cintos dentro da cabine.

E o temporal desaba em nossa cabeça.

Ensopados, enlameados mas super felizes chegamos no barzinho da beira do asfalto e ....

Vemos o carro de resgate passar direto pela estrada.

O celular já não pega neste local, o rádio acabou a bateria.

O negócio e tomar uma cerva, relaxar e esperar ele voltar.

Cerveja e alegria.

99km.

Pouso em Aldeia Velha - Casemiro de Abreu.

Valeu a todos que voaram.

Os relatos de sufoco de quem ficou no vale de Cachoeiras de Macacu foram de Crachs andando para trás, barras quebradas, choro e reza para descer no meio do CB, raio e fogo no pouso etc...

Mas pela qualidade de todos os pilotos que lá estavam, nada de grave aconteceu somente incidentes.

Valeu o dia.

É mais um para ficar na nossa estória de voadores, malucos e criança grandes e felizes.

Parabéns a todos nós.

Geraldo Nobre

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