segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Relato do piloto Geraldo Nobre: Terça-Feira GORDA!

Piloto: Geraldo Nobre (piloto de asa, Rio de Janeiro)

Este foi um dos 5 relatos que o piloto Geraldo Nobre (dinossauro do voo com mais de 30 anos de esporte) enviou para concorrer à promoção do Spot com anuidade

Geraldo Nobre:

Terça-Feira GORDA!


Terça-feira !

Dia que foi feito para todo mundo trabalhar.

- É..........

- Mas como é que está a condição ?

Abro a janela e.......

Oestão rasgando, teto azul, sem núvens e um cirrus se dissipando no céu.

- É.......

- Mas hoje não tem vôo em São Conrado........

Às 7:00h ligo o computador e imediatamente recebo um e-mail do Valença:

- Tá pronto ?

Um susto e ??????????

Ligo o celular e chega um torpedo dele também:

- Vambora ?

Outro susto e ??????????

5 minutos depois toca o celular.

- Tô saindo, vamos para Petrô; tive bons pressentimentos e hoje é o dia.......

Assim não há quem resista.......

Que trabalho que nada.

Praticamos um esporte que depende da natureza e é ela quem manda.

Tá dando vôo, vambora......

Lá fomos nós !

Já no carro ele trata de botar pilha na galera:

Liga para o Erick e grava na secretária eletrônica:

- Estamos tendo uma invasão de naves alienígenas nuvolentas.

- Vai deixar a gente ir sozinho prá Petrô ?

Liga para o Giovanni e manda ele largar o trabalho e partir para a rampa se não ele vai arrepiar nos pontos.

O Glauco liga para comentar da mega condição que está se formando e não acredita que já estamos na estrada........

Fica na pilha, desesperado, pois tem uma aula para dar na parte da tarde e não vai poder faltar.

Chegamos na rampa, o ventinho está perfeito de frente.

- Vamos montar antes da condição chegar......

As núvens vinham se formando da baixada para a serra.

Cada vez mais perto.

Perfeito.

Os pobres coitados que o Valença conseguiu arruinar o dia de trabalho também chegam.

Erick, Cedrick, Papito, Giovanni e Fabiano.

Como eu, também não resistiram e abandonaram tudo para ir voar.

11:45h decola o Erick e a primeira mensagem dele no rádio foi:

- Caraca tá subindo tudo !

- 5,3m/s

- Tá bom ou quer mais ?

Não há como esperar mais.....

Decola todo mundo e tacapum prá cima.

3, 4, 5 enrocasdas perfeitas e todos estampam no céu.

A galera do parapa que tinha chegado fica olhando, vendo os pontinhos velozes no céu e pensando:

- Será que dá prá gente decolar também ou tá forte ?

Enquanto eles pensam o Destemido Erick parte com tudo prá frente do Cristinho.

Foi, foi, foi, continuou fo..indo e descendo.

- ihihihihihiihi......

- Tá subindo tudo mas, tá frio, é cedo, e as descendentes tão consistentes.

- Tem que ter cuidado para não cair antes da hora.....

Valença estampa na rampa e segue prá lá também mas, ao contrário do Erick só vai na boa e estampadão.

Eu e Cedrick passeamos um pouco para o lado direito da rampa (para acumular km/pontos malandramente) e quando voltamos a da rampa já não tinha mais.

Seguimos para o Cristinho também e achamos de novo o canhão.

Primeiro falhado, depois um pontapé prá lua.

- A rota é pela encosta, pensei.....

- Tá frio, com sombras e acho que teremos poucas térmicas no meião.

- O negócio e boiar pela encosta.

Parto junto com o Cedrick na direção da Siméria e do Moren.

- Olha lá.....!!!!!!

- O Érick já se recuperou no morro do avião e já tá na nossa frente lá no paredão do Moren !!!!!!!

Chegamos no paredão do Moren e logo descobrimos que canhão....... já era........

Tem "lift" mas tá fraco e só é consistente quando a formação tá chegando na encosta.

O negócio é aproveitar o que tem e curtir o visual da floresta, dos paredões de pedra e da cachoeira que está na nossa frente.

Vamos boiando de pico em pico.

Enroscando na base da formação e aproveitando ao máximo a "chupada" das núvens.

Logo, logo descubro que arrumei um sombra.

Cedrick jogou a marimba e se amarrou na minha quilha.

O Erick dispara no rádio.

- Vou abrir para o meião que aqui tá fraco e tá ficando pesado.

- Vai não que é furada, pensei.... mas ele foi tão decisivo que respeitei sua opinião e não falei nada.

Puxei o Cedrick comigo na direção de Teresópolis.

Avistei o Dedo de Deus e cravei a rota na sua direção.

Passamos bem ao lado dele, com o visual da Granja Comari no meio de Teresópolis.

I N C R Í V E L, a vista e a sensação de passar ao largo deste cartão postal.

- Vamos seguir em frente e cruzar a garganta do soberbo para pegar o "lift" do outro lado.

- Vambora Danoninho Sombra......

E ele não decepcionou, lá fomos nós.

Cruzamos, enroscamos, lifitamos e seguimos nas fraquinhas.

No contra-forte da frente vai esta melhor.

Conforme previsto:

Chegamos lá e a condição também.

Arredondou e lá fomos nós encostar no teto de núvens.

Giovanni que vinha na cola, uma termal atrás, resolveu abrir para a Parada Modelo e foi caindo, caindo, caindo....

- Lá se foi mais um pro chão.....

- O jeito e continuar pela cordilheira até o fundo do vale.

- Vambora de novo...

E de pico em pico chegamos no fundo do vale, aonde já havia pousado uma vez.

- Pronto, agora é cruzar os morrotes da fente e chegaremos em Conceição de Macacú.

- Naquelas cordilheiras antes da cidade eu sei que tem..........

Como burro puxando a carroça, lá fui eu.

Tirada longa mas lisa e com pouca perda.

Chegamos a média altura e foi novamente junto com a formação que chegava.

Que sensação maravilhosa, aquela de enroscar redondo numa termal consistente até a base das núvens e isto há mais de 60km da decolagem.

- É, mas o teto tá baixo.....

- A serra depois de Macacu é alta e vai ser complicado pular.

- O jeito é dar um pulo de cada vez, não vai dar para passar direto como das outras vezes.

- Vamos cruzar o vale onde está a cidade e pegar nos morrotes antes da cordilheira, foram os meus pensamentos.

- Vamos...., apitei e botei lenha na caldeira do trem...

A cruzada foi firme e tivemos que acelerar um pouco, pegamos a descendente de uma formação que estava mais a direita e na frente do vento.

- Força, força, tem que passar o primeiro morro e pegar naquela concha onde as bananeiras estão encabeladas pelo vento.

- É alí.......

- E o Danoninho não veio ????

- Voltou da borda da pulada ????

- Que que houve ?

- É alí....

Pôu....

Catapum....

Duas ou três falhadas e canhão prá cima....

Derivando para as montanhas e subindo......

- É o passaporte para a cruzada da serra.

- O próximo vale é tranquilo de cruzar pois, ele é todo de aclive com o vento subindo e na próxima encosta tem uma acendente residente de nota 10.

- CADÊ ELE ?

- Ele voltou ?

- Não acredito....

- Será que ele vai tentar pegar aquela formação que vem com o vento ?

- Não, não pegou...

- Vem de lá Erick, o Cedrick tá pousando naqueles gramados antes de Cachoeiro de Macacú...

- OK ???

-rschshichsie.......

- Recebido.

É agora é só comigo.

Vamos continuar a jornada que está cruzada é de um visual alucinante.

Como era esperado, encostei na serra e o vario apitou redondo, constante até a base da núvem.

- 1500m já estou no teto e o visual de todo o caminho percorrido e o vale formado pela concha das serras de Tanguá, Cachoeiro, Friburbo e Teresópolis estava atrás de mim.

Baixo para a região mas o suficiente para cruzar para o lado de Silva Jardim e Conceição de Macacú.

Agora é chegada a hora daquela parte chata da tremedeira em vôo.

Tremedeira de porradaria da condição de rotor que está por vir e tremedeira de medo da pancadaria.

Temos altura suficiente mas, vem uma região de varios morrotes, longe da BR-101 e no rotor desta "porra" desta serra de Friburgo que ainda não consegui botar mais de 2.200m nela para passar por cima.

- Vou cair no rotor de novo......

- Mas o que fazer ?

- Voltar ?

- Jamais.

Respiro fundo, travo a barra no peito e parto.

No começo, na saída da base da núvem e ainda alto, tudo bem.

Começo a perder altura e a chocolateira começa.

Rotor de um morro.

Vento do outro.

- Tem que abrir mais para o meio para pegar o vento e depois voltar de cauda para os morrotes.

- Vai .....

- Pica....

- É, fui, piquei mas a altura toda foi pro saco...

- Saí dos rotores, cheguei nos pastos mais afastados, peguei o vento de cauda, peguei o primeiro lift, segui para o segundo e uns 15 km depois estava B A I X O.......

- 300m a 400m mais ou menos.

Sem sol, formação pesada, só me restava liftar no morrote e mirar o pasto mais próximo.

- 85 km já tá bom.

Vamos fazer uma permanênciazinha para relaxar e depois pousar naquela fazendinha alí.

Tem estrada até a BR e eu já conheço o pessoal pois já pousei alí também.

Aí o vento começa a aumentar.

Solto a asa e literalmente imito um gavião parado no vento.

Ôpa, tá subindo.

Dá um bordo prá cá, outro prá lá.

Encaixa numa termal saido do pasto e derivo com ela.

Ganhei, derivei mas caí dela.

Ainda tava falhada.

Volto, apanhando pelo rotor do morrote e começo de novo.

Abro mais para frente pois vejo um urubú começar a subir que nem elevador.

E..........

Lá vou eu.....

Agora ela ficou grande redonda e devivando na rota que eu quero.

Começar de novo........

10km andados nesta brincadeira de subir e derivar nesta térmica.

O suficiente para pular o próximo vale e chegar na próxima encosta.

Repito a dose e tô vendo Cachoeiro de Macacú ao alcançe de meu L/D.

Mas como a ganância e a esperança de achar outra é maior, em vez de abrir para o baixio, volto o bico da asa para os vales de dentro e parto.

Altura não ganhei mais mas, em compensação, passei por trás de um pico maior e caí no rotor dele, num pequeno vale estreiro e ....

Tome PORRADA do rotor ......

- É para aprender mais uma vez que não se joga por trás de um pico em um vale no través do vento.

Mas, como tinha altura suficiente, cruzei toda a rotorzeira e ainda passei por trás de outro morro tomando mais cacete para chegar num vale onde os urubús ainda lifitavam.

Já tinha consciencia que estava no fim do vôo.

110km, 4:00h da tarde, céu encoberto, núvens acachapadas e sem força e um vento consistente de través.

O negócio agora era sair do meio dos morrotes e escolher um bom pasto para pousar.

Sobrevoei a entrada do vale em que estava (com arados em baixo), olhei para a frente para a BR-101 que estava ao meu alcançe e decidi.

- Aquele pasto, sem obstáculos, sem postes, sem rotor, na beira da estrada e em frente aquele posto de gasolina é perfeito para terminar o vôo sem sustos.

Aproximei perfeito.

Rodei em cima do pasto, dei o último bordo transversal ao vento, em cima da BR e cravei a quilha no meio de um grande gramado.

3:56h de vôo e 112km de Petrô.

Compromissos chutados para o alto;

Alma lavada pelo vôo;

Esperança que amanhã tenha mais;

Terminei meu dia no resgate trocando máximas de vôo com meu parceiro de aventuras e aprendiz de Dino, Valença.

É não foi uma terça-feira normal de trabalho, foi uma TERÇA-FEIRA GORDA !

Obrigado a todos que dela participaram,

Geraldo Nobre

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