quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

ARTIGO: Voando no Sertão, parte 1


O amigo e piloto Glauco Cavalcanti esteve no XCeará 2009 comigo e segue abaixo o primeiro artigo escrito por ele, sobre as experiências e mitos do vôo no Sertão Cearense.


Desvendando os Mistérios de Quixadá

Myth Buster – Caçador de Mito

Por: Glauco Cavalcanti

www.megafly.blogspot.com


Não existe um só piloto de asa delta com equipamento de alta performance que não sonhe em fazer vôos acima de 200, 300 ou mesmo 400 quilômetros. Um vôo que começa de manhã e só termina ao pôr do sol. Seis, sete ou oito horas ali, pendurado na sua asa delta, voando, tomando decisões e cruzando pelo ar longas distancias. Voar o dia inteiro e pousar cansado mas com aquele sorriso no rosto e a sensação de plenitude. Afinal você foi pássaro por um dia. Sentimento máximo de liberdade.

Para realização deste tipo de voo de longa distancia entendo que o melhor local do país seja, sem duvida, Quixadá. Um lugar que permite decolagem às 8hs da manhã (até antes dependendo do dia) e pouso ao pôr do sol. Uma janela de voo que mais parece um basculante, permitindo que pilotos do mundo inteiro consigam bater seus recordes pessoais. Não é a toa que o recorde brasileiro de asa delta, recorde mundial masculino e feminino de parapente tenham sido batidos em Quixadá.

Fazem alguns anos venho me especializando em voos de longa distancia ao invés de focar meus esforços em campeonatos. Este caminho me levou à Quixadá em 2008 onde realizei meu primeiro voo acima de 300km. Este ano novamente retornei a Quixadá na temporada 2009 e voei 283km em sete horas de voo. Voltando no tempo lembro-me das dúvidas e inquietações que assolavam minha mente antes da primeira viagem. Tinha medo do lugar e achava que poderia ser uma experiência traumática.

Demorei anos para amadurecer a idéia de encarar Quixadá. Principalmente vendo as decolagens radicais dos parapentes nos vídeos do You Tube, ouvindo os relatos de térmicas colossais que capotavam asas como brinquedos de papel e sabendo dos resgates que podem levar longas horas em estradas de chão em plena madrugada.

Este breve artigo procura de forma clara e direta desmistificar os mitos que cercam Quixadá. Um lugar tão temido, mas que ao mesmo tempo é tão almejado pelos pilotos de alta performance que buscam superar seus limites. Vou tratar de seis tópicos que no meu entendimento são os mais preocupantes na mente dos pilotos: decolagem, vento e térmicas, roubadas, possíveis rotas, resgate e recorde pessoal.

Para não cansar o leitor e também para que eu não escreva tudo de uma só vez vou enviar o artigo fracionado. Esta é a parte 1. Nos próximos dias ou nas próximas semanas envio as demais partes.


PARTE 1 – Decolagem

“Ninguém lhe diz a hora de decolar, você simplesmente sente.”

Talvez o que mais assuste os pilotos que pretendem vivenciar Quixadá sejam as decolagens com ventos que facilmente ultrapassam 40km/h. Os vídeos da internet não ajudam muito porque mostram parapentes sendo arrastados na rampa e voando para trás. Tendidas tenebrosas de asa delta seguidas de catapultada estrondosa para cima. E aí você me pergunta: “é assim mesmo?”

Respondo a você: sim e não.

Sendo mais claro. Existem duas rampas em Quixadá, uma natural e outra de madeira. Os pilotos de parapente só decolam da natural, enquanto os pilotos de asa podem escolher. Neste ano 95% das decolagens de asa realizadas no XCeará foram feitas na rampa de madeira. No meu entendimento a melhor opção.

A rampa natural tem um platô à sua frente que faz um rotor devido aos fortes ventos. Quando você decola é certeza de tomar uma tendida, seja ela para esquerda, direita, para cima ou para baixo. Você decola já sabendo que vai tomar, só não sabe para onde. No caso a internet tem mais vídeos da rampa natural do que da rampa de madeira, logo os pilotos só tem acesso ao pior cenário.

A outra opção é a rampa de madeira, sem duvida a melhor opção. Esta rampa tem uma angulação perfeita e é livre de obstáculos. Mesmo tomando uma tendida, a asa tem tempo de recuperar com facilidade sua trajetória. Somado a isso os cabistas de Quixadá são especialistas e ajudam muito no momento da decolagem. Só para você ter idéia, todas as decolagens realizadas na rampa de madeira nos últimos dois anos que estive em Quixadá foram perfeitas, sem maiores problemas. Mesmo em dias com vento forte. Diferente da rampa natural onde vi algumas tendidas sinistras. Eu mesmo tomei uma tendida desconcertante em 2008.

Este ano os ventos chegaram a 50km/h na decolagem. Aparentemente uma situação tenebrosa. No entanto não é.

Você fica ali com quatro cabistas (um no cabo da frente, dois laterias e um na quilha) e espera um momento. Tem que ter paciência. Se for afoito aí sim o bicho pega. Logo a frente e abaixo da decolagem tem muita jurema que é a vegetação local. Uma arvore seca, espinhosa e sem folha. Se o juremal está balançando é porque a coisa está feia. Outra referencia são os açudes que ficam próximos ao pouso. Neles você consegue ver as rajadas de vento chegando.

Normalmente fico de braço cruzado pisando no speed bar sem fazer força. Deixo que os quatro cabistas segurem a asa que fica igual touro brabo querendo decolar. Neste momento o melhor a fazer é relaxar, descansar e não ficar assustado. Aquela rajada vai passar e vai chegar a sua hora. Esta loucura pode durar três, cinco ou mesmo dez minutos. Não tenha pressa. Você vai decolar para voar sete horas, então dez minutos não é nada. Espere. Tenha paciência.

Quando passa um ciclo térmico as juremas param de balançar, o ar fica calmo e você sente que está chegando a hora. Então peço para que o cabista da frente saia e que o cabista da quilha solte a asa. Levanto a asa enquanto os cabistas laterais equalizam o equipamento. Sem precisar pedir os dois informam se a asa está comigo. Se não estiver, espero. Coloco novamente a asa na rampa e o cabista frontal volta a sua posição. Muitas vezes vem uma nova rajada e temos que esperar outra janela. Este processo pode ser repetido duas, tres ou mais vezes. Com o tempo você percebe um padrão de comportamento das térmicas e dos ciclos e vai ficando mais confiante.

Chega uma hora que o ar está calmo, as juremas paradas e a asa equilibra no seu ombro. Neste momento não pode esperar muito. Apenas um passo é suficiente para decolar. Não precisa correr muito, apenas segurar o bico porque uma térmica pode estar a sua frente. Importante decolar sempre entrando no trapézio porque o bico vai tentar subir.

Mesmo em dias com ventos acima de 40km/h a decolagem da rampa de madeira seguindo estas instruções é bem tranqüila. Sempre vai ter uma janela segura para decolar. Basta ter paciência e concentração. Em Quixadá ninguém vai colocar pilha para você decolar, muito diferente de campeonato onde todos querem te empurrar, mesmo com vento lateral.

Para se ter uma idéia, nesta temporada 2009 optamos por não voar um dia devido aos fortes ventos que chegavam a 60km/h na rajada. No entanto a decisão de não voar foi em função do vôo e pouso, não em função da decolagem. Porque mesmo em dias como este, existem janelas seguras de decolagem onde o vento cai para 25km/h e fica bem alinhado. Nada diferente de Brasília em dia com vento.

Vale apenas deixar claro que toda e qualquer decolagem é um momento critico e qualquer piloto pode arborizar. Não estamos livres deste contra tempo. A rampa de Quixadá não é difere. Quero apenas deixar registrado que Quixadá oferece uma opção segura mesmo em dias com vento forte. Rampa boa, cabistas experientes e tempo para decolagem são três elementos que compõe um cenário positivo para uma boa decolagem.

Portanto decolar em Quixadá não pode e nem deve ser um empecilho para a realização do seu sonho em voar acima de 200, 300 ou 400km. Decolar de Quixadá não é muito diferente de decolar de Brasília se o piloto for paciente e souber esperar o momento certo.

MITO: DECOLAR DE QUIXADÁ É RADICAL


ESTE MITO É FALSO.


Bons vôos seguros a todos.

Glauco Cavalcanti


Ler o artigo PARTE 2


Ler o artigo PARTE 3

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