Desvendando os Mistérios de Quixadá – Parte III
Myth Buster – Caçador de Mito
Por: Glauco Cavalcanti
PARTE 3 – Térmicas Poderosas
“pilotos de cross country não pensam em quanto estão subindo, e sim, no quanto estão deixando de subir se estivessem na próxima térmica.”
Embora a maioria dos pilotos sonhe com o céu tabuleiro de xadrez de Quixadá formado por nuvens perfeitas que mais parecem discos voadores. Existe aquele medo fruto das fortes térmicas capazes de capotar uma asa delta em pleno vôo. Não existe medo maior para um piloto de asa delta do que quebrar a asa em vôo e ter de acionar seu paraquedas reserva. Paraquedas é um dos poucos produtos que você compra mas jamais quer usar. Por isso alguns pilotos evitam Quixadá, considerado o lugar com maior probabilidade de uso de paraquedas reserva do país. Os relatos das termais da rampa e da cordilheira de Monsenhor Tabosa realmente assustam. Pilotos que perderam a barra, tendidas aterrorizantes, despencadas sinistras e a temida capotagem fazem parte do infinito acervo de estórias que cercam o sertão nordestino. Mais uma vez você me pergunta: “até que ponto isso é verdade?”
Temos que entender que os vôos em Quixadá duram um dia inteiro, sendo assim você consegue acompanhar toda a evolução da natureza em pleno ar. O piloto é um testemunho da força e beleza da natureza em sua magnitude. As térmicas são uma manifestação desta energia que emana da terra com força e personalidade. Contrariando a lei da gravidade, as térmicas sobem em direção ao céu em movimento ascendente.
Na parte da manhã por volta de oito horas já existe vento forte, no entanto, as térmicas ainda estão desorganizadas. As linhas de nuvens não estão definidas e o teto está baixo. Conseguimos pegar térmicas fortes no período da manhã devido à umidade da madrugada, no entanto estas térmicas muitas vezes são falhadas e devido ao teto baixo o piloto fica sem muita opção senão abandoná-las para voltar no contra vento e pegar um novo ciclo na frente da rampa. O período que compreende oito horas às dez horas é sem dúvida o mais critico e perigoso. Isso porque atrás da rampa de Quixadá existe um jardim de pedras, um belíssimo relevo que forma figuras como a famosa Galinha Choca.
No início voamos a mil metros ou pouco mais, no entanto esta altura é baixa para fazer cross country. Então vamos derivando com o vento e escorregando no relevo acidentado, fazendo lift e pegando térmicas falhadas sempre buscando os gatilhos térmicos. Quando o vento está forte as térmicas derivam muito e para sair de alguns buracos devemos jogar no rotor destes pequenos morros. É aí que mora o perigo. Estamos com pouca altura, voando em uma área acidentada com vento de 40km/h que teima em nos jogar nas roubadas. Tem que ter muita paciência e concentração. Este tipo de vôo só vale para quem quer voar acima de 300km. Se você realmente quer bater os 300km deve estar consciente da importância e dos riscos de decolar cedo.
Pilotos que querem voar 100km, 200km ou pouco mais não precisam passar por esta experiência. Basta decolar ao meio dia. Decolando neste horário o teto já está chegando próximo a 2.500mts. Você poderá passar pelas roubadas com altura de sobra e a chance de fazer 200km é elevada tendo em vista que a média horária de Quixadá é de 45 - 50km/h. Logo com quatro horas e pouco de vôo você provavelmente conseguirá bater seu recorde pessoal. Mesmo se voar lento em cinco horas seu objetivo será cumprido.
Os pilotos que decolam oito ou nove horas e que sobrevivem até as dez horas nesta condição começam a colher o fruto do alto risco do início. Enquanto alguns pilotos estão decolando por volta de onze horas, os pilotos recordistas já percorreram preciosos quilômetros que garantem a chegada ao Piauí. O teto vai subindo, as linhas ficam bem definidas e as térmicas cada vez mais fortes. A partir do meio dia é quase impossível pousar em um dia bom de vôo. Basta escolher a próxima nuvem e seguir em frente.
Entre meio dia e duas horas as térmicas estão no máximo de sua força. É a hora de maior insolação e os ciclos térmicos estão bem definidos. Importante notar que você está se deslocando no eixo horizontal e as térmicas se deslocam no eixo vertical. As térmicas de Quixadá são poderosas e chegam a mais de 10m/s. Ao se aproximar de uma queimada ou uma nuvem com base preta saiba que ali existe uma energia poderosa e pulsante. Um mini tornado invisível que sobe com força formando uma parede de ar capaz de balançar sua asa com violência. Por isso a importância de ter sempre um comando preventivo ao invés de corretivo. Antes de entrar na termal sempre reduza a marcha para ganhar mais recuperação. Em locais mais turbulentos normalmente voo com a marcha na mão. Caso tome alguma tendida solto a marcha imediatamente. Solte primeiro e pense depois, é melhor prevenir do que remediar. Preste muita atenção na saída das térmicas pois muitas capotagens acontecem neste momento. Quando vai sair da termal não puxe a marcha toda, apenas um quarto e à medida que entra em ar calmo busque mais performance.
O local mais crítico do vôo no meu entendimento é a imponente cordilheira de Monsenhor Tabosa. Um complexo de montanhas que formam uma barreira em pleno sertão nordestino. Um local com poucas opções de pouso, diversos vales e uma vegetação agressiva. Normalmente chegamos a Monsenhor Tabosa na hora da máxima atividade térmica. Um prato cheio. Vento forte, térmicas poderosas, cordilheira alta, pouso escasso e rotor. O que mais um voador pode querer?
O que aparentemente é tenebroso deixa de ser se ganhamos altura antes de chegar ao obstáculo. Isso é fundamental em Quixadá. Você deve voar pensando sempre nos obstáculos futuros e antecipar o problema. Nunca deixe para ganhar altura na borda da cordilheira porque o vento deriva tanto que é impossível ganhar altura de forma vertical. Com vento de 40km/h você está se deslocando mesmo quando está enroscando. Se a cordilheira está a 20km, vai subindo porque quando menos esperar Tabosa já chegou e você tem que cruzar.
No meu ultimo vôo em Quixadá decolei eu, Ronaldão, Alexei e Marquinhos do CE. De manhã o vento estava bom e alguns parapentes até decolaram. Mas em poucas horas o vento ganhou intensidade e nós estávamos no ar. Parecia aquele dia de surf que você entra no mar com ondas de um metro e quando está no outside o mar começa a subir. As ondas chegam próximas a dois metros na série e fechando já que o fundo não está tão bom assim. Pensa então com seus botões: como saio desta situação?!?.
Neste dia o vento chegou a 55km/h e foi quando coloquei 134km/h ground speed. O Ronaldão e o Marquinhos abandonaram inteligentemente aos 50km. O Alexei próximo a rampa já que a deriva era horizontal e ele ficou uns 30minutos tentando ganhar altura na rampa. Mas estava difícil mesmo. Segui voando em direção a Tabosa percebendo que o vento estava acima do normal. Os açudes encarneirados e as térmicas derivando muito e sacudindo com força. Imaginei que seguindo o vento poderia diminuir ou o teto poderia subir, aumentando minhas chances de passar pela cordilheira.
Mas as térmicas estavam bicudas, derivada quase horizontal. Se existia alguma possibilidade de susto seria ali na cordilheira de Monsenhor Tabosa com vento de 55km/h e teto baixo para cruzar uma região tão inóspita. Estava acima do que eu considero minha margem de segurança. Decidi abandonar o vôo mesmo a 2.000mts. Escolhi um vilarejo com pouso livre de obstáculos ao lado da estrada de chão. Pousei bem. Quero deixar claro que estava acima da MINHA margem. Cada piloto conhece seu limite e talvez outro piloto passasse sem titubear já que altura confesso que tinha. Faltou mesmo foi “K”.
Segue tracklog deste vôo. Foi a condição mais forte que já voei até hoje:
http://www.xcbrasil.org/
Este ano muitas foram as experiências fortes em Quixadá devido aos ventos que estavam acima do normal. Para se ter idéia dos sete dias, os parapentes voaram apenas dois dias. Isto não é normal e prova que a condição estava extrema. O Marcelo Ferro tomou uma sacudida animal em Tabosa, o Erick relatou térmicas que o obrigaram a ficar travado no speed e subindo vertical e eu mesmo tomei umas desinfladas de respeito. Indiana, Rodriguinho, Du, Marião, Ronaldão e Alexei também tiveram suas surras no ar. Mesmo voando em condição extrema, todas as situações estavam dentro da margem dos equipamentos e dos pilotos. Tanto é que tenho certeza que todos os pilotos que foram a Quixadá em 2009 irão repetir a dose em 2010. Tenho trocado e-mails com a galera e os planos para ano que vem já estão avançados. Voamos em equipamentos seguros e a asa além de resistir às fortes térmicas, devido ao seu formato, sempre tende a recuperar a atitude de vôo.
Entendo que capotagem não seja um “privilégio” de Quixadá. Temos relatos de capotagem em Andradas, Cambuquira, Valadares e Brasília. Acredito que o que mais capota uma asa seja o piloto e não a condição forte que está voando. Voar com recuperadores baixos, não tirar a marcha antes de entrar ou sair de uma forte térmica, picar a asa em ar mexido e não segurar a marcha em zonas turbulentas são algumas das atitudes que elevam o risco do piloto capotar. Poucos são os casos onde o piloto capotou porque a térmica era tão forte a ponto de virar uma asa de cabeça para baixo. É claro que pode acontecer, mas minha experiência não demonstra isso. Entendo que a pilotagem tem que ser preventiva e não corretiva. Algumas vezes temos que aprender a dizer não. Não vou decolar neste dia. Não vou seguir em frente. Não vou me arriscar nesta termal que deriva para o rotor. Você tem que ser um piloto de várias temporadas alucinantes e não de apenas um vôo memorável que lhe custou a vida. É o que chamo: A ARTE DE DIZER NÃO AO RISCO DESNECESSÁRIO.
Um exemplo de vida é o piloto francês Patrick Collin. Um piloto que tem 60 anos de idade e está em sua sétima temporada consecutiva em Quixadá. Voa seus humildes 200km sempre que pode. No meu entendimento o maior campeão que Quixadá já teve. Este é o verdadeiro recordista. Sete temporadas consecutivas em Quixadá!
MITO: TÉRMICAS DE QUIXADÁ SÃO DESTRUIDORAS DE ASAS
ESTE MITO É FALSO.
Glauco Cavalcanti
Ler o artigo PARTE 1
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